Resumen: Objetivo del estudio: identificar los vacíos y ejes teóricos de la producción científica internacional relacionados con el Comportamiento Emprendedor (CE) de los empresarios individuales, así como las estrategias adoptadas, en diferentes contextos además de aportar reflexiones para futuras investigaciones. Metodología/enfoque: estudio descriptivo y cualitativo, basado en la revisión sistemática de 56 artículos recolectados en junio/2021 en las bases de datos Scopus y Web of Science, con el apoyo de la herramienta StArt, y el análisis de contenido fue auxiliado por el software Atlas.ti. Principales resultados: consolidación del perfil metodológico de los estudios, así como los temas abordados. Se identificó que tanto la CE como la estrategia tienen definiciones fragmentadas, incluso después de numerosas investigaciones. Existe una relación positiva entre la CE y la estrategia. El CE influye en la toma de decisiones y contribuye a elevar el desempeño organizacional. Por lo tanto, el éxito de una empresa puede determinarse por la capacidad y la velocidad para responder con eficacia a los cambios en el contexto. Aportes teóricos/metodológicos: avance de la investigación en los campos del emprendimiento y la estrategia, con la identificación de las categorías de CE y las estrategias adoptadas (especialmente en la comprensión de la CE y su influencia en la estrategia); y consolidación y recomendación de una futura agenda de investigación. Relevancia/originalidad: la articulación teórica entre emprendimiento y estrategia se centra en la CE, en la búsqueda de oportunidades y ventajas competitivas, que son indispensables para el crecimiento empresarial. Contribuciones sociales/de gestión: contribuir con gerentes y empresarios en la identificación de problemas de comportamiento y elecciones estratégicas adoptadas en los más diversos contextos, incluido el desarrollo sostenible de las organizaciones.
Palabras clave: Emprendedor, Comportamiento emprendedor, Estrategia, Revisión sistemática de la literatura, Toma de decisiones..
Resumo: Objetivo do estudo: identificar as lacunas e os eixos teóricos da produção científica internacional relacionados ao Comportamento Empreendedor (CE) do indivíduo proprietário de empresa, bem como as estratégias adotadas em diferentes contextos, além de fornecer insights para pesquisas futuras. Metodologia/abordagem: estudo descritivo e qualitativo, a partir da revisão sistemática de 56 artigos, coletados em junho de 2021, das bases Scopus e Web of Science, com o apoio da ferramenta StArt; e análise de conteúdo, com auxílio do software Atlas.ti. Principais resultados: consolidação do perfil metodológico dos estudos e dos temas abordados, identificando que tanto o CE quanto a estratégia possuem definições fragmentadas, mesmo após inúmeras pesquisas. Há relação positiva entre o CE e a estratégia, sendo que o CE influencia a tomada de decisão e contribui para elevar o desempenho organizacional. O sucesso de um empreendimento pode ser, portanto, determinado pela capacidade e velocidade em responder eficazmente às mudanças de contexto. Contribuições teórico/metodológicas: avanço da pesquisa nos campos de empreendedorismo e estratégia, com a identificação das categorias de CE e das estratégias adotadas (especialmente no que tange à compreensão do CE e de sua influência na estratégia); e consolidação e recomendação de agenda futura de pesquisas. Relevância/originalidade: a articulação teórica entre empreendedorismo e estratégia se concentra no CE, na busca de oportunidades e de vantagem competitiva, que são indispensáveis ao crescimento dos negócios. Contribuições sociais/para a gestão: contribuir com gestores e empreendedores na identificação de questões comportamentais e de escolhas estratégicas, adotadas nos mais diversos contextos, incluindo o desenvolvimento sustentável das organizações.
Palavras-chave: Empreendedor, Comportamento empreendedor, Estratégia, Revisão sistemática da literatura, Tomada de decisão.
Abstract: Study objective: identify the gaps and theoretical axes of international scientific production related to the Entrepreneurial Behavior (EB) of the individual business owner as well as the strategies adopted, in different contexts, in addition to providing insights for future research. Methodology/approach: descriptive and qualitative study, based on a systematic review of 56 articles collected in June/2021 in the Scopus and Web of Science databases, with the support of the StArt tool, and the content analysis with aided by the Atlas.ti software. Main results: consolidation of the methodological profile of the studies and the topics addressed, identifying that both the EB and the strategy have fragmented definitions, even after numerous research. There is a positive relationship between EB and strategy, and the EB influences decision making and contributes to raising organizational performance. The success of an enterprise can therefore be determined by the ability and speed to respond effectively to changes in context. Theoretical/methodological contributions: advancement of research in the fields of entrepreneurship and strategy, with the identification of EB categories and strategies adopted (especially with regard to the understanding of EB and its influence on strategy), and consolidation and recommendation of a future research agenda. Relevance/originality: the theoretical articulation between entrepreneurship and strategy focuses on the EB, in the search for opportunities and competitive advantage, which are indispensable for business growth. Social/management contributions: contribute with managers and entrepreneurs in the identification of behavioral issues and strategic choices adopted in the most diverse contexts, including the sustainable development of organizations.
Keywords: Entrepreneur, Entrepreneurial behavior, Strategy, Systematic review of literature, Decision making.
Artigos
Comportamento empreendedor e estratégia: Uma revisão sistemática da literatura
Entrepreneurial behavior and strategy: A systematic literature review
Comportamiento emprendedor y estrategia : Una revisión sistemática de la literatura
Recepção: 21 Junho 2021
Revised: 04 Janeiro 2023
Aprovação: 18 Janeiro 2023
Publicado: 15 Junho 2023
As teorias de conduta administrativa estão cada vez mais focadas em entender como os tomadores de decisão catalogam o universo de possíveis soluções e, em seguida, selecionam a ideal (Hitt et al., 2019; Titus & Adiza, 2019). Um processo análogo tem se desenvolvido na área do empreendedorismo, envolvendo debates acerca de como os empreendedores desenvolvem cognições, metas e comportamentos destinados a criar ou a identificar oportunidades e recursos para as explorar (Alvarez & Barney, 2007; Anderson et al., 2019; Kuratko et al., 1997; Rascão, 2020; Sarasvathy, 2004; Wood & McKinley, 2010).
Poucos construtos na história do pensamento gerencial têm recebido tanta atenção no meio acadêmico quanto o Comportamento Empreendedor (CE) (Gruber & MacMillan, 2017), com pesquisas que buscam caracterizá-lo, diferenciando-o do comportamento de outros atores no mundo dos negócios, como os gestores técnicos e/ou os gestores de organizações já estabelecidas (Busenitz & Barney, 1997; Gruber et al., 2015; Pathak & Goltz, 2021).
Nesse contexto, há publicações que: (1) trazem importantes evidências iniciais de como o CE está ligado às ações e às decisões na criação de novas organizações (Anderson et al., 2019; Fauchart & Gruber, 2011; Powell & Baker, 2017; Wry & York, 2017); (2) tentam explicar como as características comportamentais dos empreendedores podem se relacionar à avaliação de riscos, à identificação de oportunidades, à iniciativa de inovação (Hammerschmidt et al., 2021; Schumpeter, 1934; Zollo et al., 2021), e à necessidade de realização (Garcia-Rodriguez et al., 2015; McClelland, 1961, 1979, 1987); (3) concentram-se na compreensão do indivíduo empreendedor e de seus comportamentos, com foco na motivação para iniciar novos empreendimentos, na capacidade de identificar oportunidades, assumir riscos (Bird et al., 2012; Kirkley, 2016; Markowska, 2018; McClelland, 1987; Pathak & Goltz, 2021), e delinear estratégias (Anderson et al., 2019; Zollo et al., 2021).
Um dos principais objetivos da estratégia é aperfeiçoar o desempenho das organizações por meio da obtenção de vantagens competitivas (Hitt et al., 2001, 2019; Rascão, 2020; Titus & Adiza, 2019). Por conta disso, compreender como as estratégias são construídas para alcançar e sustentar essas vantagens é fundamental em um ambiente organizacional, tanto em novos negócios (startups) quanto em empresas já estabelecidas (Hitt et al., 2001, 2009; Ott & Eisenhardt, 2020).
Para Quinn (1980), a estratégia abarca padrão, planos, objetivos, metas, sequência de ações, alocação de recursos e capacidade de atuar com o imprevisível. Mintzberg e Waters (1985) e Mintzberg et al. (2010) se dedicaram a identificar tipos distintos de estratégias, classificando-as como deliberadas (caracterizadas pela formalização dos planos traçados) e emergentes (relacionadas a ações e processos que incluem atividades e decisões diárias, sem a intenção prévia do executor).
Há outras definições fragmentadas de estratégia, que fazem o construto transitar por diferentes nomenclaturas, como planejamento estratégico (Hambrick, 1981; Ketokivi & Castañer, 2004; Mintzberg, 1994), pensamento estratégico (Goldman, 2012; Mintzberg, 1994; Sloan, 2013), gestão estratégica (Hitt et al., 2001, 2019; Porter, 1997; Sambamurthy et al., 2003), e liderança estratégica (Goffee & Jones, 2000; Hitt & Duane, 2002; Hitt et al., 2019). Nesta pesquisa, os artigos analisados foram categorizados de acordo com essas quatro nomenclaturas.
Segundo Mintzberg et al. (2010), o empreendedor desenvolve a representação mental da estratégia, sendo o ambiente o campo no qual ele dirige e manobra a organização. Essa relação entre o empreendedorismo e a gestão estratégica tem sido estudada, de forma independente, ao longo das últimas décadas (Amalia et al., 2020; Covin & Slevin, 1990; Dogan, 2015; Hitt et al., 2001; Ireland et al., 2001; Kyrgidou & Hughes, 2010; Lumpkin & Dess, 1996; Mintzberg, 1973; Mintzberg et al., 2010; Rascão, 2020), sem que, todavia, fossem identificados ou relacionados os tipos de CE dos indivíduos proprietários de empresas, as estratégias formuladas e seus contextos (Amalia et al., 2020; Pathak & Goltz, 2021; Rascão, 2020).
Na literatura organizacional, a atual proeminência de estudos sobre o CE e sua ligação com a estratégia (Alvarez & Barney, 2007; McCarthy, 2003; Rascão, 2020), bem como as Revisões Sistemáticas da Literatura (RSL), tentam estabelecer a relação entre empreendedorismo e estratégia (Herrera et al., 2020; Markowska, 2018; Pathak & Goltz, 2021), sendo este, portanto, o momento propício para refletir sobre o assunto (Gruber & MacMillan, 2017; Rascão, 2020).
Diante do cenário apresentado, tendo por objetivo identificar as principais lacunas e os eixos teóricos da produção científica internacional relacionados ao CE do indivíduo proprietário de empresa, bem como as estratégias mais relevantes adotadas em diferentes contextos, além de fornecer insights para pesquisas futuras, este estudo pretende responder à seguinte questão de pesquisa: Como a produção científica internacional tem relacionado o Comportamento Empreendedor (CE) e as principais estratégias adotadas em diferentes contextos?
Para tanto, no que tange ao CE, foram analisados os proprietários de empresas (indivíduos ou equipes) que executaram, de forma concreta, ações (tarefas ou atividades), como as categorizadas por McClelland (1987), e classificadas por Bird et al. (2012), considerando três fatores: atributos pessoais, motivação e emoção, e causas proximais. E, como definição de estratégia, este estudo adotou a formulada por Quinn (1980), que estabelece planos, objetivos, metas, ações, alocação de recursos e capacidade de atuar com o imprevisível.
A partir desses conceitos, foi realizada a classificação dos tipos de CE identificados nos estudos analisados, relacionando-os aos tipos de estratégias adotadas. Com base nos resultados que emergiram da literatura, foram categorizados, indutivamente, estudos nas quatro principais nomenclaturas de estratégia: planejamento estratégico, pensamento estratégico, gestão estratégica e liderança estratégica.
Esta pesquisa se pautou em uma RSL com o aporte de 56 artigos, cuja bibliografia foi analisada e sintetizada em uma estrutura multidimensional, composta pelos fatores e características determinantes do CE (Bird et al., 2012; Kirkley, 2016; Krueger et al., 2000; McClelland, 1987; Mourão & Locatelli, 2020), e pelas estratégias adotadas, que podem ser utilizadas como base para novos estudos.
O principal resultado encontrado aponta que, sob a ótica do indivíduo proprietário de uma empresa, o CE apresenta influência positiva sobre a estratégia e, na maior parte dos estudos realizados, pode ser considerado um preditivo para o desempenho organizacional. Ele também é impulsionado pelas motivações, emoções e cognições dos empreendedores, as quais influenciam suas decisões estratégicas. O sucesso de um empreendimento, ainda, pode ser determinado pela capacidade e velocidade do empreendedor em responder eficazmente às mudanças de contexto, notadamente um elemento importante para o estudo do CE.
Sendo assim, esta pesquisa contribui: (a) para o avanço da pesquisa acadêmica acerca do empreendedorismo, identificando as lacunas na relação entre o CE e a estratégia; e (b) com gestores e empreendedores na identificação das principais estratégias adotadas nos mais diversos contextos.
Nesta seção, será apresentada a fundamentação teórica que amparou esta investigação, destacando-se os conceitos de comportamento empreendedor e estratégia, bem como a relação entre os dois construtos.
Alguns estudos acerca do empreendedorismo se concentram na compreensão do indivíduo empreendedor, na motivação para iniciar novos empreendimentos, identificar oportunidades e assumir riscos, além de compreender a atividade empreendedora em determinados grupos (Anderson et al., 2019; Bird et al., 2012; Kirzner, 1979; McClelland, 1965, 1987; Mourão & Locatelli, 2020; Pidduck et al., 2023).
O indivíduo empreendedor tem sido identificado como elemento ativo no desenvolvimento e criação de novos empreendimentos, sendo, com isso, parte fundamental no processo (Alvarez & Barney, 2007; Bird et al., 2012). Assim, é razoável que, pelo menos alguns dos aspectos que norteiam seu papel nesse processo, sejam estudados, dentre eles o comportamento.
O comportamento empreendedor (CE) exerce um papel de destaque na criação de novos empreendimentos e, portanto, deve ser analisado na busca de respostas fundamentais para o entendimento do empreendedorismo (Baron, 2007; Mourão & Locatelli, 2020; Santos et al., 2021). Contudo, o CE ainda possui definições fragmentadas (Bird et al., 2012), dificultando a compreensão sobre o que estimula os indivíduos a se tornarem empreendedores (Baron, 2007; Gartner & Carter, 2005; Kirkley, 2016; Santos et al., 2021).
Para Kirkley (2016), o empreendedorismo é uma espécie de comportamento autodeterminado, que possibilita ao indivíduo expressar e satisfazer diferentes necessidades primordiais. Para tanto, quatro valores singulares são críticos para a motivação do CE – independência, criatividade, ambição e ousadia –, sendo o significado atribuído a cada um deles congruente com o conferido por Krueger (2007), que destaca o autodeterminismo, a autoeficácia e a identidade dos indivíduos empreendedores. Segundo Krueger et al. (2000), as crenças profundas (valores) sustentam a tomada de decisão e o CE subsequente pode ser explicado por variáveis individuais (personalidade) e situacionais (contexto), que, por sua vez, influenciam as atitudes-chave e as motivações do CE.
Alguns autores destacam que o interesse da academia no CE tem se concentrado na exploração de oportunidades e na criação, desenvolvimento e crescimento de novos empreendimentos, com foco nas ações concretas dos indivíduos empreendedores (Bird et al., 2012; Kuratko et al., 2021; Shane & Venkataraman, 2000). Desse modo, o CE pode ser explicado a partir de três fatores: (1) atributos pessoais – traços, conhecimentos, habilidades, talentos, cognição (como, percepções, pensamentos, modelos mentais e scripts); (2) motivação e emoção – independência, criatividade, ambição, ousadia, autoeficácia, autodeterminismo e identidade e; (3) causas proximais centradas no indivíduo e nos resultados do empreendimento – existência, vendas, lançamento de produtos, sobrevivência e crescimento. Com isso, a pesquisa sobre o CE tem como objetivo explicar, prever e controlar (moldar e mudar) o comportamento individual e em equipe.
De acordo com McClelland (1987), algumas características dos indivíduos empreendedores são inatas, enquanto outras podem ser aprendidas. Ele as agrupou, então, em três categorias – realizações, planejamento e poder –, caracterizando cada uma a partir do CE face às adversidades vivenciadas no dia a dia pelos indivíduos que empreendem (Cooley, 1990; McClelland, 1987; Mourão & Locatelli, 2020).
Na categoria realizações, as características do CE incluem: (a) busca por oportunidade e iniciativa (o empreendedor identifica novas oportunidades de negócios e as aproveita); (b) assunção de riscos (o empreendedor deliberadamente analisa e pondera os riscos, tomando medidas para os reduzir ou controlar seus resultados); (c) busca por qualidade e eficiência (formas de agir, de modo a atender ou a superar os padrões de excelência esperados); (d) persistência (agir reiteradamente para superar um obstáculo ou encarar um desafio; e (e) comprometimento (empreendedor assume pessoalmente a responsabilidade pelo desempenho fundamental para alcançar as metas e os objetivos estabelecidos (Cooley, 1990; Kruger & Ramos, 2020; McClelland, 1987; Mourão & Locatelli, 2020).
Na categoria planejamento, estão: (a) busca de informações (o empreendedor se engaja na obtenção de informações fundamentais à sua atividade); (b) estabelecimento de metas (ele define metas claras, específicas e de longo prazo, bem como estipula e revisa constantemente as metas de curto prazo, observando o desempenho financeiro e outros objetivos, como a sustentabilidade socioambiental; e (c) planeja e monitora sistematicamente os planos para segmentar grandes tarefas em subtarefas (revisa frequentemente os planos, avaliando os resultados obtidos e as alterações circunstanciais ocorridas, além de manter registros para a tomada de decisões (Cooley, 1990; McClelland, 1987; Mourão & Locatelli, 2020).
A categoria poder envolve características do CE relativas à influência que o empreendedor desempenha sobre os outros, como: (a) redes de contato e persuasão (o empreendedor usa estratégias para influenciar ou persuadir outras pessoas e dispõe de colaboradores-chave para o auxiliar no alcance de seus objetivos; e (b) independência e autoconfiança (ele procura autonomia em relação às normas e aos controles de outros, e possui confiança em sua própria capacidade para executar atividades e tarefas complexas ou superar desafios (Cooley, 1990; McClelland, 1987; Michelin et al., 2022; Mourão & Locatelli, 2020).
As características que influenciam o CE interferem em como a estratégia será elaborada e executada (Calabrese & Costa, 2015). A articulação teórica entre empreendedorismo e estratégia se concentra no CE e nas ações concretas, na busca de novas oportunidades e de vantagem competitiva (Amalia et al., 2020; Anderson et al., 2019; Dogan, 2015; Ireland et al., 2009).
Em função da intensa concorrência global, as organizações, independentemente do tamanho ou da idade, são forçadas a estabelecer estratégias mais empreendedoras para que possam, nesse cenário globalizado, alcançar e sustentar vantagem competitiva (Asmussen et al., 2019; Hitt et al., 2019; Rascão, 2020).
Para conceituar e definir estratégia, vários têm sido os esforços: Drucker (1954, 2007) a vê como uma análise do contexto, que permite o mudar quando necessário, utilizando recursos atuais e futuros; Quinn (1980) trata-a como uma forma de estabelecer um padrão, planos, objetivos, metas, sequência de ações, alocação de recursos e capacidade de atuar diante do imprevisível; e Porter (1980) a considera competitiva, o que exige a utilização de ações defensivas e ofensivas, estabelecendo, com isso, uma posição defensável, capaz de enfrentar com sucesso as forças competitivas e obter maior retorno sobre o investimento.
Outros autores, além de conceituar e definir estratégia, acrescem a ela aspectos relevantes, como Ansoff e McDonnell (1988), que a consideram uma regra para a tomada de decisões. Dessa forma, a gestão estratégica compreende três elementos principais: a formulação da estratégia, a estruturação das competências da organização e a gestão das mudanças descontinuadas.
Eisenhardt (1999), por exemplo, entende o processo estratégico como um conjunto rápido de movimentos, pautados na intuição coletiva e na solução de conflitos para melhorar o pensamento e manter um ritmo disciplinado de tomada de decisões. Dessa maneira, a definição de estratégia fica condicionada à resposta para dois questionamentos: “para onde você quer ir?” (escolha de um mercado atraente e de um posicionamento estratégico diferenciado); e “como quer chegar lá?” (quais ações serão realizadas posteriormente).
Ainda nesse sentido, Mintzberg e Waters (1985) e Mintzberg et al. (2010) identificaram tipos distintos de estratégias, conforme o foco, a direção e o controle de cada uma. Dessa maneira, elas podem ser classificadas como: (a) deliberadas, pois resultam de um planejamento estratégico prévio formal, criadas pela alta direção, o que as torna engessadas e com foco no controle; e (b) emergentes, que surgem em função das circunstâncias, com foco nas ações coletivas e no comportamento consonante, com ênfase no aprendizado (Games et al., 2020; Mintzberg et al., 2010; Mintzberg & Waters, 1985).
Na literatura, há, ainda, quatro nomenclaturas principais associadas à estratégia: (1) planejamento estratégico – a direção da organização estabelece e formaliza os sistemas e os procedimentos focados na tomada de decisão (Hambrick, 1981; Ketokivi & Castañer, 2004; Mintzberg, 1994); (2) pensamento estratégico – capacidade cognitiva que pode ser ensinada, por ser um processo intuitivo, criativo, inovador e que incentiva todos os níveis da organização (Goldman, 2012; Mintzberg, 1994; Sloan, 2013); (3) gestão estratégica – caracterizada pela exigência de tomada de decisões entre os movimentos estratégicos para desenvolver e sustentar vantagem competitiva em um ambiente perturbador (Hitt et al., 2001, 2019; Porter, 1997; Sambamurthy et al., 2003); e (4) liderança estratégica – abordagem que estabelece um ambiente inovador propício à condução das capacidades organizacionais, humanas, sociais e estruturais (Goffee & Jones, 2000; Hitt & Duane, 2002; Rahman et al., 2018).
Na abordagem da gestão estratégica dos empreendedores na criação, desenvolvimento e manutenção de seus empreendimentos, um dos principais pontos discutidos é seu planejamento coeso e sua prescrição deliberada (Ketchen & Craighead, 2020; Rascão, 2020). Nota-se, com isso, a necessidade de se ponderar outras prováveis abordagens estratégicas, que envolvam a ação do empreendedor em uma visão não linear e não determinista (Mintzberg & Waters, 1985; Wolf & Floyd, 2017).
Para Autio e Acs (2010), o comportamento empreendedor estratégico não pode ser compreendido sem a análise do contexto em que ele ocorre, capaz de impulsionar alguns indivíduos a alocar esforços em busca de crescimento; e a atuar sistematicamente, mudando estratégias para encarar desafios e superar obstáculos, mesmo que, para isso, algum sacrifício pessoal seja necessário (Anderson et al., 2019; Autio & Acs, 2010; Carreira et al., 2015).
Nesse mesmo contexto, Mintzberg (1973) introduziu a noção de elaboração de estratégia empresarial; Covin e Slevin (1990) apresentaram o conceito de postura estratégica empreendedora nas organizações; Lumpkin e Dess (1996) estenderam o conceito de empreendedorismo, por meio da introdução da orientação empreendedora, em função de as organizações se envolverem com inovações, admitindo riscos e estratégias proativas; e Ireland et al. (2001), que ampliaram esse conceito para agregar a gestão estratégica ao cenário favorável para as ações empreendedoras.
Ainda nesse sentido, Rascão (2020) focou sua pesquisa na intersecção entre o empreendedorismo e a gestão estratégica em pequenas e médias empresas (PMEs) e startups, em virtude do papel central do empreendedor no processo de gestão estratégica, e no seu importante vínculo com o plano de negócios.
Autores como Ketchen e Craighead (2020), por sua vez, incluíram na intersecção entre empreendedorismo e gestão estratégica, o gerenciamento de cadeias de suprimentos, impulsionados pela pandemia da COVID-19, com o intuito de compreender o sucesso e o fracasso organizacional nesse cenário, e de orientar os gestores, especialmente em tempos de adversidades.
O aspecto empreendedor contribui com a capacidade de identificar novas oportunidades pelas empresas, enquanto a perspectiva estratégica permite isolar e explorar aquelas com maior probabilidade de obter vantagem competitiva sustentável e subsequentes meios para formar vantagem (Anderson et al., 2019; Prado et al., 2020). A prática ocorre tanto no processo de formulação da estratégia quanto na sua implementação, conforme os resultados que se espera obter (Hitt et al., 2001, 2019).
Para Mintzberg e Westley (2001), a formulação da estratégia é um processo de aprendizado interativo, pois o estrategista desenvolve em sua mente a estratégia e organiza sua aplicação e sua aceitação na organização. Isso denota a sua importância como articulador dos demais elementos da organização, tendo em vista que o desenvolvimento de uma estratégia depende de inúmeros fatores (cultura, crenças e juízo de valor) e condições (contexto, disponibilidade de recursos, adversidades e oportunidades) que se alternam e se modificam no decorrer do tempo (Anderson et al., 2019; Mintzberg et al., 2010; Mintzberg & Waters, 1985; Wolf & Floyd, 2017).
Krueger et al. (2000) e Bird et al. (2012), nesse mesmo contexto, sugerem que crenças profundas (valores), variáveis individuais (personalidade) e situacionais (contexto) influenciam sobremaneira as atitudes-chave e as motivações do CE.
A RSL é um importante método na pesquisa em administração, especialmente para tratar sobre a diversidade de conhecimentos em uma área acadêmica específica (Tranfield et al., 2003), como é a do empreendedorismo (Kraus et al., 2020).
Esse método é focado em um conjunto de questões para guiar o trabalho e definir as principais áreas de estudo, definindo as estratégias de extração de dados e os critérios de inclusão e exclusão dos trabalhos (Kitchenham & Charters, 2007).
O protocolo aplicado neste trabalho é baseado nas recomendações de Kitchenham e Charters (2007), Kraus et al. (2020) e Tranfield et al. (2003) para garantir que a RSL minimize o viés do pesquisador, com algumas adaptações ao contexto específico e às necessidades do estudo.
A elaboração da RSL envolveu algumas etapas fundamentais: após a identificação da lacuna de pesquisa, a definição dos objetivos e da questão de pesquisa, foi escolhido o protocolo de pesquisa (Tabela 1), que é um item fundamental à garantia do rigor, da transparência e da replicabilidade do método (Kraus et al., 2020; Machado et al., 2020).
Na análise, foram incluídos apenas os artigos publicados em periódicos revisados por pares e disponíveis gratuitamente, por meio do acesso à Comunidade Acadêmica Federada (CAFe) e ao convênio das Universidades com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
A pesquisa foi realizada nas bases de dados Web of Science e Scopus, consideradas fontes valiosas, por concentrarem, principalmente, publicações de journals com fator de impacto relevante para as áreas de Ciências Sociais Aplicadas e, de modo específico, para o campo dos estudos em empreendedorismo (Kraus et al., 2020).
A busca realizada não contemplou um período específico, obtendo 272 estudos, reduzidos a 182, após a aplicação de alguns filtros (Tabela 1) para compor a amostra.
Na segunda etapa, os artigos selecionados formaram o objeto da RSL, com fins de identificar, avaliar e interpretar as pesquisas disponíveis relacionadas ao tópico em questão (Kitchenham & Charters, 2007), isto é, a relação entre CE e estratégia. Para apoiar esse processo de seleção, foi utilizada a ferramenta “State of the Art through Systematic Review” (StArt) como instrumento facilitador da RSL.
Com o auxílio da StArt, dentre os 182 artigos selecionados nas bases Scopus e Web of Science, foram identificados 39 artigos duplicados e excluídos da amostra, restando 143 artigos. Por meio de uma análise preliminar do título, do abstract e das palavras-chave, constatou-se que 55 artigos não estavam de acordo com o escopo deste estudo, pois não continham os conceitos de CE e de estratégia, sendo, por isso, excluídos. Assim, 88 artigos atenderam a esse critério de inclusão e foram incorporados à revisão.
Analisados na íntegra e classificados por duas pesquisadoras, a partir de cada um dos critérios pré-estabelecidos no protocolo (Tabela 1), os artigos apresentaram pouca divergência. Para fornecer um parecer de desempate, uma terceira pesquisadora foi chamada, permanecendo, assim, os estudos em que ao menos duas pesquisadoras concordaram (Nassif et al., 2010). Dessa forma, assegurou-se que a triangulação de pesquisadores obtivesse maior número de visões acerca dos artigos analisados (Flick, 2020).
Após a etapa de análise em profundidade, 32 publicações não atenderam aos critérios de inclusão adotados – somente artigos revisados por pares, que abordam o CE do indivíduo proprietário de empresa, as estratégias e a Orientação e Intenção Empreendedoras como subdimensões do CE. Assim, como amostra final para este estudo, restaram 56 publicações.
Seguindo as recomendações de Tranfield et al. (2003), para cada um desses 56 artigos foi desenvolvido um resumo, com entrada em uma tabela de extração de dados construída em Excel, a fim de identificar a evolução dos conceitos e as correntes teóricas utilizadas para a definição de CE e de estratégia. A Figura 1 evidencia os procedimentos metodológicos adotados na RSL.
O software Atlas.ti foi utilizado, então, para integrar as pesquisas e identificar as categorias pré-estabelecidas, de acordo com a RSL de cada um dos artigos analisados (Woods et al., 2016). Os códigos e subcódigos relacionados a cada uma das categorias do CE e estratégias foram definidos, a priori, com base em referências da literatura (Tabela 2).Assim, foi possível estabelecer, nos artigos analisados, as relações com as categorias formadas ao longo da RSL e, a partir disso, pôde-se executar a análise indutiva do conteúdo dos estudos (Woods et al., 2016).
Por meio da planilha de Excel, métodos, técnicas e abordagens utilizadas nos estudos componentes da RSL foram identificados e conferidos com o auxílio do Atlas.ti. Espera-se, assim, contribuir para o aprimoramento e a ampliação epistemológica do fenômeno do CE, sobretudo no contexto da estratégia organizacional.
Conforme esta pesquisa, o primeiro estudo que relacionou o CE à estratégia foi publicado em 1987, havendo, a partir de 2016, um número crescente de trabalhos com essa temática, com picos de publicações em 2018 e 2020.
Como a coleta nas bases de dados foi realizada em junho de 2021, esse ano não foi integralmente contemplado na pesquisa. A Figura 2 evidencia a evolução das publicações dos 56 artigos selecionados e analisados em profundidade com o auxílio da ferramenta Start.
Seis periódicos (Tabela 3) se destacam como os que mais publicam estudos sobre o tema CE e estratégia, sendo que cerca de 39% dos estudos componentes da amostra desta RSL estavam neles publicados. São journals com fator de impacto nacional e internacional bastante significativos.
Com o auxílio do software Atlas.ti, houve um levantamento da magnitude das palavras-chave mais abordadas nos estudos analisados, sendo gerada, com isso, uma nuvem com as palavras de maior força (Figura 3).
“Empreendedor”, “empreendedorismo” e “empreendedores” foram as palavras com maior força, seguidas por “comportamento”, “inovação”, “estratégia”, “cultura”, “mulheres”, “performance”, “gestão”, “tomada de decisão” e “sustentabilidade”, entre outras. Isso permitiu identificar a confluência entre as palavras que compuseram a nuvem e os temas abordados nos artigos, chegando-se à análise e à validação das principais estratégias adotadas.
Para o levantamento do perfil metodológico dos estudos, após a leitura dos artigos, eles foram classificados, com o auxílio do software Atlas.ti, de forma genérica, em três categorias: teóricos, teóricos-empíricos e empíricos, conforme propuseram Machado da Silva et al. (1990).
Após essa etapa, foi realizada uma subclassificação quanto à abordagem metodológica utilizada, identificando os estudos qualitativos, os quantitativos e os de métodos mistos (Creswell & Poth, 2016) (Tabela 4).
A maior parte das pesquisas realizadas sobre o CE e a estratégia foram empíricos (75%), totalizando 42 estudos, sendo os demais (25%) considerados teóricos (Tabela 4).
Nos estudos de metodologias qualitativas (n=28), os métodos predominantes foram, respectivamente, entrevistas (17), estudos de casos múltiplos (4), seguido por grupos focais (2); e a principal técnica de coleta de dados foi a entrevista com roteiro semiestruturado (12).
A amostra mínima (quatro entrevistados) e a máxima (94) passaram, predominantemente, pelo tratamento de dados, realizado por uma análise de conteúdo temática e indutiva.
A pesquisa com abordagem qualitativa possibilita um estudo detalhado da cultura, dos valores, do ambiente e do contexto do CE (Ekanem & Uwajeh, 2017). Neste estudo de metodologias quantitativas (n=22), o método predominante foi a utilização de Survey (15), com questionários na escala Likert (14), com variação de 5 a 10 pontos.
As principais técnicas estatísticas utilizadas foram: modelagem de equações estruturais (9), análise de regressão (7), análise fatorial exploratória (5) e estatísticas descritivas (3), ressaltando que alguns artigos utilizaram mais de uma técnica de análise de dados.
A amostra mínima foi de 17 e a máxima de 1.457 respondentes, sendo o tratamento dos dados realizado, majoritariamente, com o auxílio de softwares, especialmente o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) (5), o Smart PLS 2.0 (3) e o R-CRAN pacote plspm (1).
Nos estudos de metodologias mistas (qualitativas e quantitativas n=6), o método predominante foi de entrevistas semiestruturadas (4) e estudos de casos múltiplos (3), para a etapa qualitativa; e survey (2), na etapa quantitativa.
A principal técnica estatística foi a de análise de regressão (3), cuja amostra foi relativamente menor do que nos estudos de método único, variando de 24 a 225 participantes.
Os estudos teóricos (n=14), em sua maior parte (71,55%), utilizaram metodologias qualitativas (n=10) e, predominantemente, tiveram como objetivo o desenvolvimento de modelos teóricos. Os estudos teóricos com metodologias quantitativas (n=4), preponderantemente, tiveram como objetivo o desenvolvimento de modelos teóricos generalizáveis, com a utilização de banco de dados de acesso aberto, como o Global Entrepreneurship Monitor (GEM).
Após a análise integral dos 56 artigos, as perspectivas teóricas abordadas nos estudos, objetos desta RSL, foram sintetizadas com base nas apresentações dos autores, na seção de fundamentação teórica de cada artigo (Tabela 5).
Identificou-se a predominância da Teoria do Comportamento Planejado (Theory of Planned Behaviour – TPB), de Ajzen (1991), com publicações de 1993 a 2020 (utilizada em seis estudos). Essa teoria sustenta que a intenção empreendedora depende da influência da atitude, em relação ao empreendedorismo; de normas subjetivas; e do controle comportamental percebido – variável na qual o autor incorpora duas dimensões: a autoeficácia (crença na própria capacidade de organizar e de realizar comportamentos); e a controlabilidade (crença no controle da própria conduta).
A segunda corrente teórica mais abordada (cinco estudos) usou como base Teorias de Gestão do Conhecimento (Knowledge Management – KM), de Kolb (1984), com publicações mais frequentes a partir de 2016 (Tabela 5). Por meio dela, os teóricos estabelecem uma abordagem sistemática para capturar e gerenciar a utilização do conhecimento, com fins de garantir a eficiência organizacional dessas informações.
A Teoria de Motivação e Necessidade de Realização, de McClelland (1961, 1965), que aprofunda a perspectiva de que a motivação pela realização pessoal impacta positivamente o CE, foi base para quatro estudos, publicados de 2013 a 2021.
Além disso, quatro estudos abordaram questões de gênero e adotaram como base a Teoria Feminista Social (Feminist Social Theory – SFT) (Fischer et al., 1993); e a Teoria Empreendedorismo Feminino (Lerner et al., 1997), cuja publicações surgiram a partir de 2011, destacando diferenças de vivência culturalmente incorporadas entre homens e mulheres, especialmente no que diz respeito à experiência e ao conhecimento das mulheres empreendedoras (Tabela 5).
Outras importantes teorias foram citadas em pelo menos três estudos (Tabela 5), tais como a Teoria de Internacionalização; a Teoria Institucional; a Teoria da Autoeficácia, com publicações a partir de 2013; e a Teoria Effectuation e Causation, com publicações entre 2013 e 2018.
Em geral, 25 teorias foram identificadas nesta pesquisa, das quais 20% são específicas do Empreendedorismo; 16% de domínio da Psicologia; 12% são teorias das organizações; e 8% são da Administração. Importa salientar que 21 estudos empregaram mais de uma teoria; e oito não mencionaram qualquer teoria.
A partir do ano de 2016, período em que as pesquisas se intensificaram, é possível notar um esforço por parte dos pesquisadores em utilizar diversas abordagens teóricas, de áreas de domínio distintas, para auxiliar na definição dos construtos Comportamento Empreendedor e Estratégia. Não foi identificada uma corrente teórica predominante relacionada a um determinado período.
A partir da leitura dos 56 estudos componentes desta RSL, as definições de CE apresentadas foram imputadas no Atlas.ti e, a partir da análise da lista de palavras mais repetidas e da nuvem de palavras criada pelo software, com essas definições (Figura 4), uma proposta de conceituação do CE de indivíduos proprietários de empresa foi delineada.
Este estudo concluiu que o CE trata de ações concretas, utilizadas para a identificação de oportunidades e a assunção de riscos na criação e no desenvolvimento de negócios. Caracterizadas pela busca por inovações, autoeficácia e autonomia, cujas motivações podem ser pecuniárias ou não, elas podem ser classificadas em três categorias principais: (1) necessidade de realização, (2) capacidade de lidar com incertezas; e (3) desenvolvimento de redes de relacionamentos (Bird et al., 2012; Gartner et al., 2010; Kirkley, 2016; Kuratko et al., 2005; Lumpkin & Dess, 1996;McClelland, 1965; 1987; Sarasvathy, 2004; Shane, 2003; Wiklund & Shepherd, 2005).
Revisões anteriores foram elaboradas com o intuito de estabelecer a relação entre o CE e a estratégia, como as de: (a) Markowska (2018), que argumenta sobre as diferenças de comportamento entre empreendedores novatos e experientes, em função da autopercepção de sua capacidade de agir, de desenvolver e de usar estratégias que lhes permitam confiar no controle percebido sobre os meios e os fins; (b) Herrera et al. (2020), que investigaram o CE de imigrantes na Espanha, evidenciando que, durante a crise econômica, as empresas étnicas aumentaram significativamente, com a adoção de novas estratégias e a comprovação da resiliência desses imigrantes; e (c) Pathak e Goltz (2021), que estudaram as ligações entre inteligência emocional (IE), CE e enfrentamento empreendedor; postulando que a IE dos empreendedores funciona como um antecedente que orienta a seleção de suas estratégias de enfrentamento, por meio do otimismo inicial e da aceitação da situação estressante.
Apesar dos esforços empenhados, as pesquisas anteriores não identificaram os tipos de CE e as estratégias adotadas pelos empreendedores, tampouco indicaram em quais contextos isso pode ocorrer.
A análise dos artigos selecionados previamente para a identificação dos tipos de CE e de estratégias adotadas permitiu a este estudo verificar que ambos os conceitos possuem definições fragmentadas (Bird et al., 2012). Nessa percepção, constatou-se que há duas importantes distinções caracterizadoras do fenômeno do CE na literatura existente: uma visão micro e uma visão macro.
Na visão micro, o fenômeno é analisado do ponto de vista do indivíduo proprietário de empresa, foco desta RSL, caracterizando o CE por ações concretas utilizadas na identificação e exploração de oportunidades, e na criação e desenvolvimento de novos negócios (Bird et al., 2012; McClelland, 1987), sendo reconhecido como um precursor para a mudança social e um facilitador da inovação nas empresas emergentes (Gartner et al., 2010) e nas já estabelecidas (Kuratko et al., 2005).
Os estudos que adotaram essa abordagem foram classificados em três categorias, conforme Bird et al. (2012): (1) motivações e emoções – necessidade de realização, autonomia, assunção de risco e autoeficácia; (2) atributos pessoais –traços, conhecimentos, talentos, habilidades, cognição, proatividade, inovatividade e criatividade; e (3) causas proximais centradas nos resultados – existência, vendas, lançamentos de produtos, sobrevivência, crescimento e fatores externos (Tabela 6).
Na visão macro, do ponto de vista da organização, o CE é caracterizado como sinônimo de Orientação Empreendedora (OE) que, segundo Covin e Slevin (1990), denota as características de organizações que manifestam proatividade, inovação e assunção de riscos simultaneamente. Lumpkin e Dess (1996) acrescentam, ainda, ao conceito de OE, outras duas dimensões – autonomia e agressividade.
Embora Covin e Slevin (1990) e Lumpkin e Dess (1996) tenham estabelecido essa classificação no âmbito da análise das organizações, e este não tenha sido o foco desta RSL, alguns estudos se apropriam dessas definições para classificar a OE como uma subdimensão do CE dos indivíduos empreendedores dentro de sua própria organização, fazendo análises dos atributos pessoais desses empreendedores. Por conta disso, esses estudos foram considerados na composição da amostra desta RSL: Branicki et al. (2018); Cortellazzo et al. (2020); Futterer et al. (2018); Hammerschmidt et al. (2021); Moruku (2013) e Van der Veen e Wakkee (2009).
Assim como o CE, a estratégia possui diferentes nomenclaturas identificadas na literatura, tais como pensamento estratégico, planejamento estratégico, gestão estratégica e liderança estratégica (Tabela 7).
A partir da leitura e da análise desses artigos (Tabela 7), foi possível identificar que:
Em alguns estudos, a estratégia é definida como sinônimo de planejamento estratégico, caracterizado como um processo metodológico gerencial, responsável pela direção da organização, com tendência a promover uma maior interação com o ambiente (Kotler, 1975; Mintzberg, 1994). Ela pode ser vista, portanto, como um “dispositivo integrativo”, que possibilita maior participação de diferentes membros na tomada de decisão (Ketokivi & Castañer, 2004). Dessa forma, trata-se de uma ferramenta capaz de ampliar a compreensão do ambiente de negócios e de promover a identificação de oportunidades (Burgelman, 1983; Hambrick, 1981), o que envolve, estabelece e formaliza os sistemas e os procedimentos focados nas tomadas de decisão (Mintzberg, 1994).
O conceito de estratégia, em outros estudos, é definido como pensamento estratégico, caracterizando-se como um processo dinâmico, contínuo e interativo (Goldman, 2012; Mintzberg, 1994), pelo qual a organização torna-se um conjunto integrado ao seu ambiente. Esse pensamento estratégico, de acordo com Sloan (2013), pode ser ensinado, pois se trata de uma capacidade cognitiva, subjacente, avançada e complexa, diferente da exigida no processo de planejamento estratégico. Sendo assim, seu destaque está em ser um processo intuitivo, criativo, inovador e incentivador de todos os níveis da organização (Mintzberg, 1994).
A gestão estratégica é caracterizada pela exigência da tomada de decisões em vários movimentos estratégicos, a fim de desenvolver e de sustentar a vantagem competitiva em um ambiente perturbador (Hitt et al., 2001; Porter, 1997; Sambamurthy et al., 2003). No campo geral de gestão estratégica, também foi identificada uma ênfase crescente no “processo empreendedor, isto é, os métodos, práticas e estilos de tomada de decisão que os gerentes usam para agir de forma empreendedora" (Lumpkin & Dess, 1996, p. 136).
Por fim, a liderança estratégica foi apresentada por vários autores como uma abordagem que estabelece um ambiente inovador propício para conduzir capacidades organizacionais, humanas, sociais e estruturais (Goffee & Jones, 2000; Hitt & Duane, 2002; Ireland et al., 2001).
A partir da categorização, por meio da análise indutiva de conteúdo, com o auxílio do Atlas.ti, foi possível identificar algumas das estratégias adotadas e as relacionar às três categorias do CE (Bird et al., 2012). Em seguida, foi realizada uma análise para dividir os artigos em dois períodos: de 1987 a 2015, período em que as publicações foram mais espaçadas (n=25); e de 2016 a 2021, período em que houve maior interesse da academia em relação ao tema (n= 31) (Tabela 6).
No período de 1987 a 2015, foi possível evidenciar estudos que se propuseram a analisar a relação entre o CE e a estratégia, a partir de causas proximais, centradas nos resultados de desempenho (cerca de 46% dos artigos). Segundo a maioria deles, os indivíduos empreendedores devem aprimorar suas habilidades estratégicas (Gartner et al., 1999; Gibb, 1999; Gilinsky et al., 2010; Herron & Robinson, 1993; Sandberg & Hofer, 1987), tendo em vista que o aparato cognitivo do empreendedor emprega diferentes estratégias para produzir soluções diante de adversidades (Mathews, 2008), ou seja, para desenvolver a cultura empreendedora é fundamental que existam estratégias de aprendizagem (Freeman et al., 2013; Gartner et al., 1999; Gibb, 1999).
Nesse contexto, Herron e Robinson (1993) apontaram causalidade entre comportamentos e estratégias na determinação de desempenho. Krueger et al. (2000) complementam, apontando a intenção como a melhor preditora do CE, que deve ser entendido para se compreender os fenômenos a eles relacionados, como as decisões estratégicas de crescimento e de inovação (Gundry et al., 2014).
Para Matheus (2008), o CE determina o tipo e a forma de empreendedorismo, evidenciando como os indivíduos que empreendem adaptam estratégias e metas para gerir oportunidades e adversidades. Autio e Acs (2010) e Gundry et al. (2014) completam esse pensamento, alegando que o contexto é um importante regulador do CE individual que, por sua vez, influencia as decisões estratégicas de alocação de recursos dos empreendedores (Anderson et al., 2019; Krueger, 2007).
Nos estudos publicados no período de 2016 a 2021, o foco predominante estava: (a) nos atributos pessoais (48% ou 14 artigos); (b) nas motivações e emoções (28% ou oito estudos); e (c) na causas proximais centradas nos resultados (24% ou sete artigos).
Os estudos que focaram nos atributos pessoais, relacionaram o CE especialmente à busca por oportunidades, com base nos conhecimentos e nas habilidades (Anosike, 2018; Olsson & Bernhard, 2021; Seikkula-Leino & Salomaa, 2020; Wójcik & Ciszewska-Mlinarič, 2020); e na proatividade, inovação e criatividade dos empresários (Ahadi & Kasraie, 2020; Branicki et al., 2018; Cortellazzo et al., 2020; Futterer et al., 2018; Hammerschmidt et al., 2021; Huq et al., 2020; Thompson, 2018; Zollo et al., 2021).
Alguns desses estudos estabeleceram a relação entre o CE e a estratégia, ressaltando nela a influência do contexto (Anosike, 2018; Capello & Lenzi, 2016; Cortellazzo et al., 2020; Seikkula-Leino & Salomaa, 2020; Wójcik & Ciszewska-Mlinarič, 2020), especialmente quando há adversidades, como uma pandemia, por exemplo (Hammerschmidt et al., 2021; Mucha, 2020), e conflitos (Anosike, 2018).
Markowska (2018) evidenciou diferenças do CE entre indivíduos empreendedores, novatos e experientes, haja vista que quanto maior a força nas crenças de controles de ação, maiores os estímulos para eles desenvolverem e usarem estratégias que lhes permitam confiar nos meios e nos fins amparados por sua capacidade percebida. Dessa forma, empreendedores experientes se comportam mais como especialistas.
Outros estudos estabelecem relação entre CE e estratégia, a partir de comparativos de gênero (Huq et al., 2020; Mucha, 2020; Olsson & Bernhard, 2021). Nesse sentido, características do CE feminino, como valores e atributos femininos (altruísmo, sensibilidade, coragem, busca de aprendizado contínuo, propensão à inovação e ao relacionamento interpessoal) influenciam as estratégias adotadas por mulheres empreendedoras: no relacionamento com clientes; em branding (Huq et al., 2020); de recrutamento e aprendizagem (Olsson & Bernhard, 2021); e em estratégias defensivas, como a redução de custos em meio à crise (Mucha, 2020).
Os estudos que tiveram como foco motivações e emoções, relacionaram o CE, principalmente, à necessidade de realização (Garcia-Rodriguez et al., 2015; Mourão & Locatelli, 2020; Pathak & Goltz, 2021; Woodside et al., 2016); à autonomia e à autoeficácia (Munoz, 2018; Quintillán & Peña-Legazkue, 2019; Troise & Tani, 2020); e à assunção de riscos (Quintillán & Peña-Legazkue, 2019; Zollo et al., 2021). Tais estudos sugerem que o CE é impulsionado não apenas pela razão, mas também pelas motivações, emoções e cognições dos empreendedores que, por sua vez, influenciam as decisões estratégicas (Mourão & Locatelli, 2020; Munoz, 2018; Quintillán & Peña-Legazkue, 2019; Troise & Tani, 2020; Woodside et al., 2016; Zollo et al., 2021).
E há outros estudos que merecem destaque, como os de: (a) Mourão e Locatelli (2020) e Munoz (2018), que sugerem a relação entre o CE e a análise estratégica de negócios sustentáveis; (b) Pathak e Goltz (2021), que evidenciam o otimismo e a proatividade como influenciadores de estratégias para reduzir e gerenciar estressores: (c) Troise e Tani (2020), que relacionam o CE à tomada de decisão estratégica de cocriação de produtos e de exploração de redes; e (d) Woodside et al. (2016), para os quais estratégias inovadoras de produção são impulsionadas pelo CE.
A identificação das definições dos construtos CE e estratégia, que serviram de base para esta pesquisa, foi abordada de forma holística na maioria dos artigos analisados. Isso permitiu que, a partir da leitura dos 56 artigos, uma agenda de pesquisa fosse sistematizada e categorizada, a partir das proposições e das limitações que emergiram da literatura existente (Tabela 8).
Com essa sistematização em dez temas distintos, espera-se: (a) contribuir para o avanço das pesquisas relacionadas ao assunto em questão, abordado nesta RSL; (b) auxiliar na tomada de decisão de outros pesquisadores, quanto ao delineamento de novos estudos; e (c) contribuir com gestores e empreendedores, que podem usar os resultados encontrados na literatura acerca do tema como subsídio para gerir seus empreendimentos.
Na maioria dos estudos sobre o comportamento empreendedor, mesmo quando apresentado como sinônimo de orientação empreendedora, de intenção empreendedora ou de empreendedorismo corporativo, o construto sempre é caracterizado por, ao menos, três dimensões: proatividade, inovação e assunção de risco (Covin & Slevin, 1989). A estratégia, por sua vez, foi definida em boa parte dos estudos, como procedimento metodológico gerencial, responsável pela direção da organização (Mintzberg et al., 2010).
Profundamente enraizado na pesquisa sobre empreendedorismo corporativo, o CE foi definido, muitas vezes, em termos de resultados organizacionais. Desse modo, há um crescente corpo de estudos que relaciona o CE às ações concretas dos indivíduos, na iniciativa e no crescimento de empreendimentos. Assim, parte dessas pesquisas dirige o foco teórico para: (a) compreender como os indivíduos efetivamente podem alcançar o sucesso, por meio da exploração de oportunidades, na forma de estratégia organizacional; (b) identificar as motivações (Bird et al., 2012; Kirkley, 2016; Krueger et al., 2000; McClelland, 1987) para a tomada de decisão; e (c) análises comparativas de gênero e estratégias de enfrentamento.
Foi possível identificar a falta de consenso terminológico para definir o CE, apresentado em diversos estudos como: sinônimo de intraempreendedorismo, orientação empreendedora, intenção empreendedora e empreendedorismo corporativo. Isso sugere uma relação mais complexa e não-linear entre o CE, a orientação empreendedora e o empreendedorismo corporativo, do que a adotada nesta pesquisa. Investigações mais aprofundadas poderiam ser úteis na delimitação dessas terminologias, estabelecendo correntes teóricas para cada uma das definições.
Nesta pesquisa, o foco esteve nas publicações de outros países, mas pesquisas relacionadas ao contexto brasileiro, com o objetivo de verificar se os resultados são distintos ou semelhantes, poderiam ser desenvolvidas. Além disso, neste estudo, a busca nas bases de dados considerou apenas artigos publicados em periódicos; em pesquisas futuras, pode-se ampliar o escopo de busca, incluindo artigos publicados em anais de eventos acadêmicos, haja vista a sua avaliação por pares.
Com base na RSL realizada por esta pesquisa, foi possível inferir que o CE, sob a ótica do indivíduo proprietário de empresa, apresenta influência positiva sobre a estratégia, na maior parte dos estudos realizados, indicando que o CE pode ser considerado um preditivo para o desempenho organizacional.
Além disso, foi possível identificar que o contexto é notadamente um elemento importante no estudo do CE e que, em muitos casos, o sucesso de um empreendimento pode ser determinado pela capacidade e velocidade do empreendedor em responder, eficazmente, às mudanças de contexto. Dessa forma, mais pesquisas são necessárias para a investigação sobre como o CE influencia a estratégia em determinados contextos, especialmente os de situações adversas.
Sugere-se, ainda, que sejam realizados estudos comparativos entre países ou regiões, para verificar se aspectos culturais ou características situacionais exercem influência na relação entre comportamento empreendedor e estratégia.
Os autores declaram não existir conflito de interesses.
Classificação JEL:: L26
ID do Artigo:: 2139
Editor Chefe1 ou Adjunto2:: 1 Dr. Edmundo Inácio Júnior, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP
Editor Associado:: Dr. Jefferson Lopes La Falce, Universidade FUMEC
Editor Executivo1 ou Assistente2:: 1 M. Eng. Patrícia Trindade de Araújo
Revisão Ortográfica e Gramatical:: Dra. Mônica Império Costa, Palavra Seleta Revisão Textual
Como citar:: Bezerra, C. M. da S., Ramos, H. R., Shinohara, E. E. R. D., & Nassif, V. M. J. (2023). Comportamento empreendedor e estratégia: Uma revisão sistemática da literatura. REGEPE Entrepreneurship and Small Business Journal, 12(2), e2139. https://doi.org/10.14211/regepe.esbj.e2139
Item relacionado (hasTranslation):: https://doi.org/10.14211/regepe.esbj.e2396
Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
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